O que seria uma produção musical sustentável?

O italiano Victor Love, do Dope Star Inc., abriu o verbo com a gente, mostrando que, é possível, sim, manter a autenticidade na música, sem se render ao “jogo” das grandes gravadoras. Nesta entrevista, ele também fala do álbum Terapunk, lançado recentemente, e do que a banda está preparando. Vêm surpresas por aí.
Fanaticmediagroup: Onde vocês encontraram inspiração para o novo álbum Terapunk?
Victor Love: O novo álbum é um terabyte de dados brutos disparados diretamente na cara. É um “mix” de sons industriais e sintéticos e instrumentos reais que tocam juntos para gerar um estilo que fica entre o mundo do rock e da música eletrônica, mas com uma forte atitude punk. A letra do álbum foi inspirada em fatos e reflexões muito ligadas à esfera pessoal mas a mensagem principal é sempre aquela de contestação ao sistema atual, a de recusa aos compromissos com um mundo onde todos sempre tentam encontrar um modo de sobreviver, mesmo que tenham que aceitar o controle da parte de um sistema atualmente global. Um esquema que procura nivelar e unificar as ideias e gostos das pessoas, promovendo o preconceito e a ignorância com o objetivo de controlar mais ainda o indivíduo.
O Terapunk tem um forte componente punk e antisistêmico, partindo do imaginário e da subcultura cyberpunk que, como em outros álbuns, exprimem uma denúncia sobre o mundo atual que se parece sempre mais com aquele profetizado por esta mesma subcultura.
Fmg: Como os fãs brasileiros podem adquiri-lo?
V.L: Hoje em dia, tudo é online e este também é o modo de ouvir nosso som que está disponível também na versão gratuita no SoundClound mas também dá para encontrar em lojas digitais para quem quer nos dar uma força ou simplesmente prefere usar estas plataformas. Deixamos sempre nossos fãs decidirem como nos apoiar e fizemos isso de diversas maneiras desde o primeiro disco. Mesmo com o álbum Ultrawired que atingiu um ponto extremo, nossa interação com os fãs sempre foi na base da liberdade de escolha sem constrangê-los a seguir esquemas precisos. Quanto ao CD físico, não temos uma distribuição direta mas é possível encontrá-lo tranquilamente na Web.
Fmg: Vocês fazem um som que bate de frente com tudo aquilo que o mercado fonográfico propõe hoje em dia. Vocês encontraram dificuldade para divulgar o trabalho no início da carreira?
V: Nos nossos primeiros 3 álbuns e 2 EPs, trabalhamos com diversos selos independentes e, no início, achamos que a proposta fluiria. Infelizmente, com o tempo, percebemos que a seta da balança ficava mais para o outro lado, ou seja, contrário àquele em que a gente poderia encontrar um apoio de verdade e investimento sério para o futuro.
Naqueles tempos, também procurei achar um modo de fazer as coisas funcionarem num mundo que estava numa rápida evolução com o surgimento da música digital. Mas, infelizmente, não rolou porque o sistema estava muito bem, obrigado, voltado para o music business. Durante esses anos, tentaram mantê-lo vivo mas vemos, agora, que este mesmo sistema está em ruínas.
Fmg: Uma característica marcante de vocês é disponibilizar as músicas gratuitamente pela internet, como no álbum Ultrawired. Assim, vocês fizeram um “pacto” com os fãs de não depender de gravadoras e ficarem livres para a criação do que vocês mesmos chamam de “Produção Musical Sustentável”. Como está sendo esta experiência do “Sharing is caring” (Compartilhar é se importar”)?
V: Esperei vários anos e também fiz pesquisas muito específicas para entender qual foi efetivamente o resultado do Ultrawired. O que posso dizer é que os números falam muito claramente. No esquema digital, Ultrawired foi notavelmente melhor do que todos os discos anteriores, mesmo sendo totalmente grátis, até na home Page do The Pirate Bay no dia do lançamento.
Além disso, ele foi lançado sem nenhuma campanha promocional na mídia. Tudo era feito sem a preocupação dos compromissos com o resultado final, ao contrário dos álbuns anteriores onde fizemos importantes campanhas promocionais na mídia, inclusive na impressa. O lado paradoxal é que se a gente avaliar a parte econômica, vimos que os lucros foram proporcionalmente maiores. Isso não quer dizer que ficamos ricos. Absolutamente. Mas significa que é possível bancar as despesas que uma banda enfrenta ao produzir música, quando existe transparência e controle de tudo. Muitas gravadoras não têm esta transparência, principalmente as grandes. Pelo contrário, elas tendem a revelar o menos possível sobre as vendas e, eventualmente, antecipar grana de modo que a banda fica até devendo. Assim, elas não podem exigir muito. Mas o ponto principal é outro. Distribuir a própria música grátis não é um dano para as vendas e os “streaming” por pagamento. É, sim, uma ajuda a mais que acaba contribuindo para o sustento de uma banda. Dias atrás, li uma notícia dizendo que a Apple declarou guerra ao Spotify porque se convenceu que o serviço de streaming grátis, apoiado pelas publicidades, está, na verdade, prejudicando o music business.
Na minha opinião, isso é uma grande bobagem e que não é fundamentada em nenhuma estatística. Os serviços de streaming continuam a crescer e, agora, o Spotify vai superar todas as outras plataformas, seja para os usuários, seja para as execuções. As grandes gravadoras se assustam mais, na verdade, com o fato que o Spotify é transparente demais e todo mundo pode calcular tudo. Há muito pouco a se discutir ou a dispensar caso haja um mau negócio, como foi o caso de algumas bandas que, recentemente, declararam ter recebido pouca grana do streaming. A culpa não é do Spotify mas, sim, das grandes gravadoras que se concentram , de todas as formas, no dinheiro. A questão é que há décadas as gravadoras não fazem nada além de esconder as vendas, com vários sistemas legais ou semilegais, tanto no que se refere ao digital, ao selo e ao CD físico.
Obviamente, a pirataria leva a culpa quando a venda é baixa. Basta fazer uma pesquisa, e nem precisa ser muito profunda, para perceber a vergonha que essas gravadoras passaram estes anos. Esconderam a verdade por seus próprios interesses, o que não deve surpreender ninguém.
De fato, o que conta é que existem milhares de pessoas que têm uma vontade louca de ouvir música e que fazem parte de um público heterogêneo. Uma parte está disposta a pagar enquanto outros não, acessando  a música que amam de modo gratuito. Outro lado paradoxal é que todos os sistemas de promoção são usados pelo business atual, unidos àqueles em que as bandas pagam para fazer promoção, aos DJs das rádios, incluindo, por fim, a promoção na internet. Todos têm sempre um único objetivo: fazer chegar a música ao maior número de pessoas possível. É paradoxal pensar que pagar para fazer isso com os velhos sistemas seja justo, enquanto fazer sem gastar nada, e graças à ajuda dos fãs, deveria ser prejudicial. Esta é apenas uma das questões que não fazem sentido a todos os discursos feitos pela Apple, Beats e todos os artistas vendidos ao esquema corporativo e que não têm feito nada além do que aceitar um belo nicho do diretor criativo, cuspindo na cara de milhões de bandas que não terão futuro porque é muito, mas muito mais importante, pressionar as banda para pagar o salário a milhares de figuras profissionais inúteis que fazem parte do grande business e não têm nenhuma intenção de ver os próprios lucros reduzidos, mesmo que bem pouco. A mesma coisa vale também para as grandes vendas dentro deste sistema.
Fmg: Qual foi o momento mais importante desde o início da banda?
V: Sem dúvida, foi o lançamento de nosso primeiro EP demo em 2003. Eram tempos totalmente diferentes. Estávamos uma década à frente com as tecnologias que usamos para o marketing na internet. Por isso foi fácil aumentar, em poucos anos, o número de fãs e seguir adiante com a nossa carreira.
Fmg: Quais são os próximos projetos para a banda?
V: O nosso próximo passo vai ser lançar novo material. Estamos com um novo videoclip que já conta com um teaser no nosso canal do Youtube e que sairá em breve. Além disso, estamos com remixes para um novo EP e outro material quase pronto. A longo prazo, tenho a intenção de trabalhar em cima de um “Best of”, mas que não será uma simples coleção ou um ridículo e fingido “remaster” feito só para ocupar um lugarzinho nas plataformas digitais. Pelo contrário, quero regravar tudo do começo e fazer uma espécie de “rework” que possa comemorar com uma nova produção o som que marcou a história de nossa banda.

Por: Rosangela Comunale

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